Livro x Filme: Laranja Mecânica, Anthony Burgess
- Rapha
- 10 de jan. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de mai. de 2018
Existe um limite para a liberdade?

"Ahá! Neste palco, cavalheiros, apresentamos a cobaia. Ele está, como vocês irão perceber, em forma e bem alimentado. Está vindo diretamente de uma noite de sono e um bom desejum, sem drogas e hipnoses. Amanhã o mandaremos confiantes para o mundo exterior novamente, um rapaz tão decente quanto qualquer um de vocês poderão observar - inclinado a dizer palavras gentis ser solidário às pessoas. Que mudança veremos aqui, cavalheiros, da ruína humana que o Estado entregou para a punição inadequada há cerca de dois anos, e inalterado após dois anos. Eu disse inalterado? Não exatamente. A prisão lhe ensinou o sorriso falso, o esfregar de mãos da hipocrisia, o risinho obsequioso, untuoso e bajulador. Mas, cavalheiros, chega de palavras. Ações falam mais alto. Observem, todos."
O livro é narrado por Alex, nosso protagonista, adolescente líder de uma gangue que tem como passatempo passear pelas ruas de noite, espalhando terror com roubos, destruição e ataques violentos à pessoas inocentes. Um dia, Alex é pego pela polícia e vai preso. Este, meio indiferente à sua atual situação, creendo que pouco ficaria ali, vê sua vida mudando de rumo quando resolve ser a cobaia do novo tratamento experimental de controle à tendências criminais, que tem por objetivo tratá-lo psicologicamente.

Laranja Mecânica, famosa obra juntamente com o filme, traz o antigo debate sobre a liberdade do indivíduo social e seus extremos, obra que primeiramente era uma não-ficção abordando a lavagem cerebral e controle social, mas que foi transformada por Burgess na fictícia trajetória do Alex, contada por ele mesmo.
E Alex é uma figura. Excelente narrador, seu carisma encanta e deixa a leitura bem leve, o que seria talvez um paradoxo considerando toda a carga violenta que ele mesmo carrega. Característico que só, possui até mesmo um linguajar pessoal falado entre seus companheiros, que misturam gírias e palavras inventadas.
Deixo aqui minhas sinceras palmas para a edição de 50 anos, lançada pela Editora Aleph em 2012. Além de conter as maravilhosas ilustrações de Dave Mckean, Oscar Grillo e Angeli, possui também material inédito como uma entrevista inédita com o autor, mais artigos escritos por ele que nos situam melhor em sua obra e a mensagem passada.

Logo no começo também têm-se uma nota riquíssima sobre a tradução brasileira, o que conta muito pois como falei no começo, Alex tem sua língua própria, o nadsat, que, nas palavras do tradutor Fábio Fernandes, "é uma transliteração para o idioma russo do sufixo teen (...). Como o próprio uso do russo para batizar essa linguagem indica, essa gíria adolescente, portanto, utiliza palavras russas (ou corruptelas de determinadas palavras) misturadas com o inglês".

O filme foi lançado em 1972 com a direção de Stanley Kubrick, contando com Malcolm McDowell representando nosso Alex. Bem fiel ao livro, temos poucas diferenças no enredo que não atrapalham na sua conclusão e entendimento. Kubrick utiliza ótimos recursos visuais para caracterizar o ambiente da história, além da trilha sonora repleta de músicas clássicas (uma vez que Alex ama esse estilo).

E Malcolm McDowell, que ator!!!! Ele conseguiu reproduzir tudo que eu imaginava do Alex! Sim, ele tinha 28 anos quando fez o filme (ao passo que Alex é um adolescente de apenas 15), mas seu olhar extremamente travesso, que sorria ao mesmo tempo com ódio e prazer, foram essenciais para trazer às telas o personagem de Burgess.

Nas palavras do autor, “Parte dos expectadores do filme ficou perturbada com o fato de Alex, apesar de sua maldade, ser bastante carismático. Para alguns, foi necessário um ato de consciência e autoimposto de terapia de aversão para deixarem de gostar dele (...). A questão é que, se desejamos amar a humanidade, seremos obrigados a amar também Alex como um de seus representantes.”, e Malcolm encenou muito bem tal personagem, que ao mesmo tempo a gente odeia e torce por ele.
Por fim, elogio também os extras contidos no livro. Adorei ler os escritos de Burgess, e me aprofundar em seu modo de pensar. A história de Alex é em si interessante, mas as ideias debatidas por trás sobre liberdade individual, bem x mal, certo x errado, me deixou dias refletindo sobre, e mal posso esperar para ler mais do autor.
Trailer do filme:
Nota do livro: ✮ ✮ ✮ ✮ ✮ Nota do filme: ✮ ✮ ✮ ✮
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